O Regresso de Roma
Introdução
Ao se preparar para deixar Roma, Jesus não se despediu de nenhum de seus amigos. O escriba de Damasco apareceu em Roma sem anúncio e desapareceu da mesma maneira. Passou um ano inteiro antes que aqueles que o conheciam e o amavam desistissem da esperança de vê-lo novamente. Antes do final do segundo ano, pequenos grupos dos que o haviam conhecido, resolveram juntar-se devido a seu interesse comum por seus ensinamentos e às lembranças mútuas dos bons momentos passados com ele. E estes pequenos grupos de estóicos, cínicos e membros dos cultos de mistério continuaram mantendo estas reuniões irregulares e informais até o mesmo momento da aparição em Roma dos primeiros predicadores da religião cristã. p1468:2 133:0.2 Gonod e Ganid haviam comprado tantas coisas em Alexandria e Roma que enviaram de antemão todos seus pertences a Tarento em uma caravana de animais de carga, enquanto que os três viajantes caminhavam comodamente através da Itália pela grande Via Ápia. Durante esta viagem encontraram-se com toda classe de seres humanos. Muitos nobres cidadãos romanos e colonos gregos viviam ao longo desta estrada, mas a prole de um grande número de escravos inferiores já começava florescer. p1468:3 133:0.3 Um dia enquanto descansavam para almoçar, aproximadamente a meio caminho de Tarento, Ganid fez uma pergunta direta a Jesus, para saber o que ele pensava do sistema de castas da Índia. Jesus respondeu: «Ainda que os seres humanos difiram uns dos outros de muitas maneiras, todos os mortais estão em pé de igualdade diante de Deus e do mundo espiritual. Aos olhos de Deus só existem dois grupos de mortais: os que desejam fazer sua vontade e os que não o desejam. Quando o universo contempla um mundo habitado, discerne igualmente duas grandes classes: os que conhecem a Deus e os que não O conhecem. Os que não podem conhecer a Deus são contados entre os animais de um mundo determinado. Os seres humanos podem ser apropriadamente divididos em muitas categorias de acordo com qualificações diferentes, pois podem ser considerados física, mental, social, profissional ou moralmente, mas quando estas diferentes classes de mortais comparecem ante o tribunal de Deus, permanecem em pé de igualdade; em verdade, Deus não faz acepção de pessoas. Ainda que não se pode evitar reconhecer as diferenças de aptidões e dotações humanas em assuntos intelectuais, sociais e morais, não se deveria fazer nenhuma distinção deste tipo na fraternidade espiritual dos homens quando se reúnem para adorar na presença de Deus».
A Misericórdia e a Justiça
p1468:4 133:1.1 Uma tarde produziu-se um incidente muito
interessante na margem da estrada, quando se aproximavam a Tarento. Eles
observaram um jovem bruto e fanfarrão atacando a um rapaz menor. Jesus
apressou-se a socorrer ao jovem agredido, e quando o resgatava, segurou
firmemente o agressor até que o rapaz menor pôde fugir. Logo que Jesus soltou ao
pequeno fanfarrão, Ganid precipitou-se sobre o rapaz e começou a sacudir-lhe
vigorosamente, e ante o assombro de Ganid, Jesus interveio imediatamente. Depois
de ter contido a Ganid e ter permitido que o assustado rapaz escapasse, o jovem,
assim que recobrou seu fôlego, exclamou com agitação: «Mestre, não consigo
compreender-te. Se a misericórdia requer que resgates ao rapaz menor, a justiça
não exige o castigo ao jovem maior e agressor?». Em resposta, Jesus disse:
p1469:1 133:1.2 «Ganid, é verdade que não compreendes. O ministério da
misericórdia é sempre um trabalho do indivíduo, mas a punição da justiça é uma
função dos grupos administrativos da sociedade, do governo ou do universo. Como
indivíduo estou obrigado a mostrar misericórdia; eu tinha que acudir ao resgate
do rapaz agredido, e com toda consistência, devia empregar a força suficiente
para conter o agressor. E isto foi exatamente o que fiz. Eu consegui libertar o
rapaz agredido; e aí terminou o ministério da misericórdia. Então detive o
agressor pela força o tempo suficiente para permitir que a parte mais frágil da
disputa pudesse fugir, depois do qual me retirei do assunto. Não me pus a julgar
o agressor, examinando assim os seus motivos -determinando todos os fatores que
entravam em jogo no ataque a seu semelhante- e então incumbi-me de executar o
castigo que minha mente pudesse ditar como justa retribuição por sua má ação.
Ganid, a misericórdia pode ser pródiga, mas a justiça é precisa. Não podes
compreender que não há duas pessoas que se coloquem de acordo sobre o castigo
que satisfariam às exigências da justiça? Uma queria impor quarenta chicotadas,
outra vinte, enquanto que uma terceira recomendaria o confinamento solitário
como castigo justo. Não podes ver que neste mundo é melhor que tais
responsabilidades recaiam sobre a coletividade, ou sejam administradas pelos
representantes escolhidos dessa coletividade? No universo, o julgamento é
conferido àqueles que conhecem completamente os antecedentes de todas as más
ações, assim como seus motivos. Numa sociedade civilizada e num universo
organizado, a administração da justiça pressupõe a aprovação de uma sentença
justa depois de um julgamento honrado, e estas prerrogativas são conferidas aos
corpos judiciais dos mundos e aos administradores oniscientes dos universos
superiores de toda a criação».
p1469:2 133:1.3 Durante dias eles
conversaram sobre este problema de manifestar misericórdia e de administrar
justiça. E Ganid compreendeu, ao menos em certa medida, por que Jesus não se
engajava nas combates pessoais. Mas Ganid fez uma última pergunta, para qual
nunca recebeu uma resposta inteiramente satisfatória; e esta pergunta foi: «Mas,
Mestre, se uma criatura mal-humorada e mais forte te atacasse e ameaçasse
destruir-te, o que farias? Não farias nenhum esforço por defender-te?» Embora
Jesus não podia responder completa e satisfatoriamente à pergunta do rapaz, já
que não queria revelar-lhe que ele (Jesus) estava vivendo na Terra como exemplo
do amor do Pai do Paraíso a um universo expectante, ele disse o seguinte:
p1469:3 133:1.4 «Ganid, eu posso compreender muito bem como alguns
destes problemas te deixem perplexo, e me esforçarei em responder tua pergunta.
Em todos os ataques que possam ser feitos contra minha pessoa, primeiro eu
determinaria se o agressor é ou não um filho de Deus -meu irmão na carne - e se
eu estimar que essa criatura não possui juízo moral nem razão espiritual,
defender-me-ia sem vacilar com toda capacidade de minhas forças de resistência,
sem me preocupar pelas conseqüências para o agressor. Mas não atacaria assim um
semelhante com status da filiação, nem sequer em defesa própria. Quer dizer, não
o castigaria de antemão e sem juízo por ter-me atacado. Mediante todos os
artifícios possíveis, trataria de impedir-lhe e de dissuadir-lhe que lançasse
seu ataque, e suavizá-lo no caso de não conseguir abortá-lo. Ganid, eu tenho
confiança absoluta na proteção de meu Pai celestial; estou consagrado a fazer a
vontade de meu Pai que está nos céus. Não creio que possa suceder-me nenhum dano
real; não creio que a obra de minha vida possa ser posta em perigo realmente por
qualquer coisa que meus inimigos pudessem desejar fazer-me, e seguramente não
temos que temer violência por parte de nossos amigos. Estou absolutamente
convencido de que o universo inteiro é amigável a mim -insisto em crer nesta
verdade Toda-Poderosa com uma confiança total, apesar de todas as aparências do
contrário».
p1470:1 133:1.5 Mas Ganid não ficou completamente
satisfeito. Conversaram muitas vezes sobre estes temas, e Jesus contou-lhe
algumas de suas experiências infantis, e falou-lhe também de Jacó, o filho do
pedreiro. Ao inteirar-se de como Jacó havia se autonomeado no defensor de Jesus,
Ganid disse: «Oh, começo a compreender! Em primeiro lugar, raramente um ser
humano normal quereria atacar a uma pessoa tão bondosa como tu, e inclusive se
alguém fosse tão irrefletido como para fazer tal coisa, é quase certo que algum
outro mortal que estiver por perto correrá em teu socorro, tal como tu acodes
sempre a socorrer a qualquer pessoa que tu vejas que esteja em apuros. Mestre,
estou de acordo contigo em meu coração, mas em minha cabeça ainda acho que se eu
tivesse sido Jacó, teria desfrutado em castigar àqueles brutos que se atreviam a
atacar-te só porque presumiam que não te defenderias. Suponho que fiques em
bastante segurança em sua jornada pela vida, posto que passas muito de seu tempo
ajudando aos outros e socorrendo a teus semelhantes em apuros -bom, é muito
provável que sempre haja alguém por perto para defender-te». E Jesus replicou:
«Essa prova ainda não chegou, Ganid, e quando chegue, deveremos ater-nos à
vontade do Pai». E isto foi quase tudo o que o rapaz pôde obter de seu mestre
sobre o difícil tema da defesa própria e da não resistência. Em outra ocasião
ele conseguiu arrancar de Jesus a opinião de que a sociedade organizada tinha
todo o direito de empregar a força para fazer que se executem seus justos
mandatos.
O Embarque em Tarento
p1470:2 133:2.1 Enquanto que se demoravam no embarcadouro
esperando que o barco descarregasse, os viajantes observaram a um homem
maltratando a sua mulher. Como era de seu costume, Jesus interveio a favor da
pessoa agredida. Aproximou por detrás do marido enfurecido, e dando-lhe uma
suave palmada no ombro, disse-lhe: «Meu amigo, posso falar contigo a sós um
momento?» O homem irritado ficou desconcertado por esta intervenção, e depois de
um momento de vacilação embaraçosa, balbuciou: «Eh...por que...sim, que queres
de mim?» Logo Jesus o levou à parte e disse-lhe: «Meu amigo, percebo que algo
terrível deve ter te acontecido; tenho muito desejo de que me contes que pôde
acontecer a um homem forte como tu para induzir-lhe a atacar a sua mulher, a mãe
de seus filhos, e ainda mais aqui à vista de todo mundo. Estou seguro de que
tens a sensação de possuir alguma boa razão para esta agressão. Que fez tua
mulher para merecer um trato semelhante por parte de seu marido? Ao observar-te,
creio discernir em teu rosto o amor pela justiça, se não o desejo de mostrar
misericórdia. Eu ouso dizer que, se me encontrasses à beira do caminho, atacado
por uns ladrões, lançar-te-ias sem titubeios a socorrer-me. Atrevo-me a dizer
que tens realizado muitas destas ações valentes no decurso de tua vida. Agora,
meu amigo, diga-me o quê que há? Tua mulher fez alguma coisa errado, ou perdeste
tontamente sua cabeça e a tens agredido sem refletir?» O coração deste homem foi
tocado, nem tanto pelo que Jesus lhe disse mas pelo olhar bondoso e o simpático
sorriso que Jesus lhe presenteara ao concluir suas observações. O homem disse:
«Vejo que és um sacerdote dos cínicos, e agradeço-te que me tenhas contido.
Minha mulher não cometeu nenhum grande erro; ela é uma boa mulher, mas me irrita
pela maneira que me critica em público, e eu perco minha calma. Lamento por
minha falta de autocontrole, e prometo tentar viver de acordo com a antiga
promessa que fiz a um de seus irmãos, que me ensinou o melhor caminho há muitos
anos atrás. Prometo-te.»
p1471:1 133:2.2 E então, ao dar seu adeus,
Jesus disse: « Meu irmão, recorda sempre que o homem não tem nenhuma autoridade
legítima sobre a mulher, a menos que a mulher tenha-lhe dado de boa vontade e
voluntariamente essa autoridade. Tua esposa se comprometeu a atravessar a vida
contigo, a ajudar-te nas lutas da vida, e a assumir a maior parte da carga
consistente em dar a luz e criar a teus filhos; e em troca deste serviço
especial, é simplesmente justo que ela receba de ti essa proteção especial que o
homem pode dar à mulher como a companheira que deve levar dentro de si, dar a
luz e alimentar aos filhos. A consideração e os cuidados afetuosos que um homem
está disposto a conceder à sua esposa e a seus filhos, são a medida em que esse
homem tem alcançado os níveis superiores da autoconsciência, espiritual e
criativa. Não sabes que os homens e as mulheres são parceiros de Deus, e com
isso cooperam para criar seres que crescem até que possuam o potencial de almas
imortais? O Pai que está nos céus trata como a um igual o Espírito Mãe dos
filhos do universo. É Divino compartilhar tua vida e tudo o relacionado com ela
em termos de igualdade com a companheira e mãe que divide contigo tão
completamente essa experiência divina de reproduzir-vos nas vidas de vossos
filhos. Se podes amar a teus filhos como Deus te ama a ti, tu amarás e
apreciarás a tua esposa como o Pai que está nos céus honra e exalta ao Espírito
Infinito, a mãe de todos os filhos espirituais de um vasto universo».
p1471:2 133:2.3 Ao subir a bordo do barco, voltaram-se para contemplar a
cena do casal que, com lágrimas nos olhos, permanecia abraçada em silêncio.
Tendo ouvido a última parte da mensagem de Jesus àquele homem, Gonod ficou
ocupado o dia todo meditando o tema, e decidiu reorganizar seu lar quando
regressasse à Índia.
p1471:3 133:2.4 A viagem até Nicópolis foi
agradável porém lenta, porque o vento não era favorável. Os três passaram muitas
horas recontando suas experiências em Roma e recordando tudo o que lhes havia
acontecido desde seu primeiro encontro em Jerusalém. Ganid estava se tornando
imbuído com o espírito do ministério pessoal. Começou o trabalho com o
comissário de bordo do navio, mas no segundo dia, quando se meteu nas águas
profundas da religião, chamou a Josué para que lhe ajudasse.
p1471:4
133:2.5 Passaram vários dias em Nicópolis, a cidade que Augusto havia fundado
uns cinqüenta anos antes como a «cidade da vitória», em comemoração à batalha de
Áctio, pois este era o lugar em que havia acampado com seu exército antes da
batalha. Eles se alojaram na casa de um tal Jerami, um prosélito grego da fé
judia, a quem haviam conhecido a bordo do barco. O apóstolo Paulo passou todo o
inverno com o filho de Jerami nesta mesma casa, no decurso de sua terceira
viagem missionária. De Nicópolis navegaram no mesmo barco até Corinto, a capital
da província romana de Acaia.
Em Corinto
p1471:5 133:3.1 Na época em que chegaram a Corinto, Ganid foi
ficando muito interessado pela religião judaica, e então não era de se estranhar
que, ao passar certo dia pela sinagoga e ver as pessoas entrando, ele pedisse a
Jesus que o levasse ao ofício. Aquele dia eles escutaram a um rabino erudito
discursar sobre o «Destino de Israel», e depois do serviço religioso eles
conheceram a um tal Crispo, o chefe principal desta sinagoga. Regressaram muitas
vezes aos ofícios da sinagoga, mas principalmente para encontrar-se com Crispo.
Ganid simpatizou-se muito por Crispo, por sua mulher e por sua família de cinco
filhos. Desfrutou muito observando como um judeu conduzia sua vida familiar.
p1472:1 133:3.2 Enquanto que Ganid estudava a vida da família, Jesus
ensinava a Crispo os melhores caminhos da vida religiosa. Jesus teve mais de
vinte reuniões com este judeu progressista; e não é surpreendente, anos mais
tarde, quando Paulo estava predicando nesta mesma sinagoga, e quando os judeus
rechaçaram sua mensagem e votaram pela proibição de que continuasse predicando
na sinagoga, e quando ele então se dirigiu para os gentios, que Crispo com toda
sua família abraçassem a nova religião, convertendo-se em um dos pilares
principais da igreja cristã que Paulo organizou posteriormente em Corinto.
p1472:2 133:3.3 Durante os dezoito meses que Paulo predicou em Corinto,
onde Silas e Timóteo reuniram-se com ele mais tarde, ele encontrou a outras
muitas pessoas que haviam sido instruídas pelo «tutor judeu do filho de um
mercador indiano».
p1472:3 133:3.4 Em Corinto encontraram-se com pessoas
de todas as raças, procedentes dos três continentes. Depois de Alexandria e
Roma, esta era a cidade mais cosmopolita do império mediterrâneo. Nesta cidade
havia muitas coisas atrativas que ver, e Ganid nunca se cansou de visitar a
cidadela que se alçava quase a duzentos pés acima do nível do mar. Também passou
uma grande parte de seu tempo livre entre a sinagoga e a casa de Crispo. No
começo ficou chocado, e mais tarde ficou encantado, pela status da mulher nos
lares judeus; isso foi uma revelação para este jovem indiano.
p1472:4
133:3.5 Jesus e Ganid eram freqüentemente os hóspedes de outro lar judeu, o de
Justo, um piedoso mercador que vivia ao lado da sinagoga. Posteriormente, quando
o apóstolo Paulo residiu nesta casa, escutou muitas vezes o relato destas
visitas do rapaz indiano e de seu tutor judeu, e tanto Paulo como Justo
perguntavam-se que haveria sido daquele sábio e brilhante educador hebreu.
p1472:5 133:3.6 Quando estavam em Roma, Ganid observara que Jesus
recusava acompanhá-los aos banhos públicos. Muitas vezes depois o jovem tentou
persuadir Jesus para que se explicasse mais amplamente a respeito das relações
entre os sexos. Ainda que respondia às perguntas do rapaz, nunca parecia
disposto a estender-se acerca destes assuntos. Uma noite, enquanto passeavam por
Corinto perto do lugar onde a muralha da cidadela corria para o mar, eles foram
abordados por duas mulheres públicas. Ganid assimilou a idéia, e corretamente,
de que Jesus era um homem de altos ideais, e que abominava tudo o que
participasse de impureza ou provasse do mal; consequentemente, dirigiu-se com
severidade a estas mulheres, indicando-lhes grosseiramente que se afastassem. Ao
ver isto, Jesus disse a Ganid: «Tens boas intenções, mas não deverias atrever-te
a falar assim com as filhas de Deus, ainda que se trate de suas filhas
desviadas. Quem somos nós para julgar a estas mulheres? Acaso conheces todas as
circunstâncias que as têm levado a recorrer a estes métodos para ganhar a vida?
Fica-te aqui comigo enquanto falamos destas coisas». Ao escutar estas palavras,
as prostitutas ficaram ainda mais assombradas que Ganid.
p1472:6 133:3.7
Enquanto permaneciam ali de pé, à luz da lua, Jesus continuou dizendo: «Dentro
de cada mente humana vive um espírito divino, o dom do Pai que está nos céus.
Este bom espírito esforça-se eternamente por conduzir-nos a Deus, por ajudar-nos
a encontrar a Deus e a conhecer a Deus; mas dentro dos mortais existem também
muitas tendências físicas naturais que o Criador pôs ali para servir ao
bem-estar do indivíduo e da raça. Agora, os homens e as mulheres tornam-se
confusos muitas vezes em seus esforços por compreender-se a si mesmos e lutar
com as múltiplas dificuldades para ganhar a vida em um mundo tão amplamente
dominado pelo egoísmo e o pecado. Ganid, percebo que nenhuma destas mulheres é
voluntariamente má. Posso dizer, pela expressão de seus rostos, que têm padecido
muitas penas; têm sofrido muito nas mãos de um destino aparentemente cruel; elas
não escolheram intencionalmente este tipo de vida; em um desânimo que beira ao
desespero, elas têm sucumbido à pressão do momento e aceitaram esta maneira
desagradável de ganhar a vida como o melhor caminho para sair de uma situação
que lhes parecia desesperadora. Ganid, algumas pessoas são realmente perversas
em seu coração; e escolhem deliberadamente fazer coisas, mas diga-me, ao
observar estes rostos agora cheios de lágrimas, tu vês algo mau ou perverso?» E
enquanto Jesus esperava sua resposta, a voz de Ganid afogou-se ao balbuciar sua
resposta: «Não, Mestre, não vejo. E me desculpo por minha grosseria para com
elas -rogo-lhes que me perdoem». Então disse Jesus: «E eu te digo, em seu nome,
que elas te perdoaram, assim como digo em nome de meu Pai que está nos céus que
Ele as tem perdoado. Agora venham todos comigo à casa de um amigo, onde
recobraremos nossas forças e faremos planos para a vida nova e melhor que está
pela frente.» Até esse momento, as assombradas mulheres não haviam pronunciado
uma só palavra; olharam-se entre si e seguiram silenciosamente conforme os
homens mostravam o caminho.
p1473:1 133:3.8 Imaginai a surpresa da
mulher de Justo quando, a esta hora avançada, Jesus aparecia com Ganid e estas
duas estranhas, dizendo: «Perdoai-nos por chegar a esta hora, mas Ganid e eu
desejamos comer um bocado, e queríamos compartilhá-lo com estas novas amigas,
que também necessitam alimentar-se; e além disso, viemos até você imaginando que
ficarias interessada em deliberar conosco sobre a melhor maneira de ajudar a
estas mulheres a empreender uma nova vida. Elas podem contar-te sua história,
mas eu suponho que elas tiveram muitas dificuldades, e a presença delas mesmo
aqui em tua casa demonstra quão seriamente desejam conhecer às pessoas de bem, e
com quanto prazer aproveitarão a oportunidade de mostrar a todo o mundo -e
inclusive aos anjos do céu- a que classe de mulheres nobres e valentes elas
podem vir a ser».
p1473:2 133:3.9 Quando Marta, a esposa de Justo, pôs a
comida na mesa, Jesus despediu-se deles inesperadamente dizendo: «Como está
ficando tarde, e visto que o pai do jovem estará nos esperando, rogamos que nos
desculpem enquanto vos deixamos aqui juntas -as três mulheres- as filhas amadas
do Altíssimo. E rogarei por vossa orientação espiritual, enquanto fazeis planos
para uma vida nova e melhor na Terra e para a vida eterna no grande mundo
vindouro».
p1473:3 133:3.10 Jesus e Ganid despediram-se assim das
mulheres. Até agora, as duas prostitutas não haviam dito nada; Ganid ficou
igualmente sem fala. E aconteceu o mesmo com Marta durante uns instantes, mas
logo pôs-se à altura das circunstâncias, e fez por aquelas estranhas tudo o que
Jesus esperava. A mais velha das duas mulheres morreu pouco tempo depois, com
brilhantes esperanças de sobrevivência eterna, e a mais jovem trabalhou no
negócio de Justo, e mais tarde tornou-se membro da primeira igreja cristã de
Corinto até o fim de sua vida.
p1473:4 133:3.11 Na casa de Crispo, Jesus
e Ganid encontraram-se várias vezes com um tal Gaios, que se converteu
posteriormente em um leal defensor de Paulo. Durante estes dois meses em
Corinto, eles mantiveram conversas íntimas com dezenas de pessoas dignas de
interesse, e como resultado destes contatos aparentemente casuais, mais da
metade destas pessoas fizeram-se membros da comunidade cristã posterior.
p1473:5 133:3.12 Quando Paulo foi pela primeira vez a Corinto, não tinha
a intenção de prolongar a visita. Mas ele não sabia quão bem o tutor judeu havia
preparado o terreno para seus trabalhos. E descobriu ademais, que Áquila e
Priscila já despertavam um grande interesse por sua doutrina. Áquila era um dos
cínicos com os que Jesus havia entrado em contato quando esteve em Roma. Este
casal eram refugiados judeus de Roma, e aceitaram rapidamente os ensinamentos de
Paulo. Ele viveu e trabalhou com eles, porque eles eram fabricantes de tendas
também. Foi por causa destas circunstâncias que Paulo prolongou sua estada em
Corinto.
Trabalho Pessoal em Corinto
p1474:1 133:4.1 Jesus e Ganid tiveram muitas outras
experiências interessantes em Corinto. Tiveram estreitas conversas com um grande
número de pessoas, que se beneficiaram muito das instruções recebidas de Jesus.
p1474:2 133:4.2 Ao moleiro ele ensinou a moer os grãos da verdade no
moinho da experiência viva, para fazer que as coisas difíceis da vida divina
fossem facilmente aceitáveis inclusive por aqueles companheiros mortais que são
frágeis e débeis. Jesus disse: «Dê o leite da verdade àqueles que estão na
infância da percepção espiritual. Em teu ministério vivo e amante, sirva o
alimento espiritual de uma maneira atrativa e adaptada à capacidade de recepção
de cada um dos que te perguntem».
p1474:3 133:4.3 Ao centurião romano
ele disse: «Dá a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Não existe
conflito entre o sincero serviço de Deus e o leal serviço a César, a menos que o
César atreva-se a usurpar a homenagem que só pode ser reivindicada pela Deidade.
A lealdade a Deus, se chegas a conhecê-lo, far-te-á ainda mais leal e fiel em
tua devoção a um imperador digno».
p1474:4 133:4.4 Ao sincero líder do
culto mitríaco disse: «Fazes bem em buscar uma religião de salvação eterna, mas
te equivocas ao buscar essa gloriosa verdade entre os mistérios elaborados pelos
homens e nas filosofias humanas. Não sabes que o mistério da salvação eterna
reside dentro de tua própria alma? Não sabes que o Deus do céu enviou seu
espírito para que viva dentro de ti, e que todos os mortais que amam a verdade e
que servem a Deus serão conduzidos por este espírito mais além desta vida,
através das portas da morte, até as alturas eternas da luz, onde Deus aguarda
para receber a seus filhos? E nunca esqueçais: vós que conheceis a Deus, sois os
filhos de Deus se anelais realmente ser como Ele.»
p1474:5 133:4.5 Ao
mestre epicurista disse: «Fazes bem em escolher o melhor e em apreciar o bom,
mas tu és sábio ao deixar de discernir as grandes coisas da vida mortal que
estão incorporadas nos reinos do espírito derivados da consciência da presença
de Deus no coração humano? Em toda experiência humana, a melhor coisa é a
consciência de conhecer a Deus, cujo espírito vive dentro de ti e trata de
mostrar-te o caminho na longa e quase interminável viagem para alcançar a
presença pessoal de nosso Pai comum, o Deus de toda a criação, o Senhor dos
universos».
p1474:6 133:4.6 Ao empreiteiro e construtor grego ele disse:
«Meu amigo, ao mesmo tempo que constróis os edifícios materiais dos homens,
desenvolva um caráter espiritual à semelhança do espírito divino interior de tua
alma. Não deixes que teus êxitos como construtor temporal ultrapassem a tuas
realizações como filho espiritual do reino dos céus. Enquanto constróis as
mansões do tempo para os outros, não descuides de assegurar teu próprio direito
às mansões da eternidade. Recorda sempre que existe uma cidade cujos fundamentos
são a retitude e a verdade, e cujo construtor e fazedor é Deus».
p1474:7
133:4.7 Ao juiz romano ele disse: «Quando julgares aos homens, recordai que tu
mesmo comparecerás também algum dia diante do tribunal dos Soberanos de um
universo. Julgai com justiça e inclusive com misericórdia, da mesma maneira que
algum dia suplicarás a consideração misericordiosa das mãos do Árbitro Supremo.
Julgai como gostarias de ser julgado em circunstâncias semelhantes, e assim
estarás guiado tanto pelo espírito da lei como por sua letra. E assim como
concedes a justiça dominada pela equidade, à luz das necessidades dos que são
trazidos ante ti, igualmente terás direito a esperar uma justiça temperada pela
misericórdia, quando algum dia compareças diante do Juiz de toda a Terra».
p1475:1 133:4.8 À dona da pousada grega ele disse: «Oferece tua
hospitalidade como alguém que recebe aos filhos do Altíssimo. Elevai a faina
ingrata de teu trabalho diário até os níveis elevados de uma arte refinada,
mediante a consciência crescente de que serves a Deus nas pessoas em que Ele
habita por meio de seu espírito, ao qual desceu para viver no coração dos
homens, tentando assim transformar suas mentes e conduzir suas almas ao
conhecimento do Pai Paradisíaco, que concedeu todos estes dons do espírito
divino».
p1475:2 133:4.9 Jesus teve várias conversas com um mercador
chinês. Ao despedir-se dele, fez-lhe estas advertências: «Adorai só a Deus, que
é teu verdadeiro antepassado espiritual. Recordai que o espírito do Pai vive
sempre dentro de ti e orienta constantemente tua alma em direção ao céu. Se tu
segues as diretrizes inconscientes deste espírito imortal, estarás seguro de
perseverar no caminho elevado de encontrar a Deus. E quando alcances ao Pai que
está nos céus, será porque ao buscá-lo, ter-te-ás tornado cada vez mais
semelhante a Ele. E assim Chang, adeus, mas só por um tempo, porque nos
encontraremos de novo nos mundos de luz, onde o Pai das almas espirituais
preparou muitas moradas encantadoras para os que se dirigem para o Paraíso».
p1475:3 133:4.10 Ao viajante que vinha da Britânia ele disse: «Meu
irmão, percebo que estás buscando a verdade, e lembro-te que o espírito do Pai
de toda verdade talvez resida dentro de ti. Já experimentaste sinceramente
alguma vez falar com o espírito de tua própria alma? Isso é realmente uma coisa
difícil e rara que produza a consciência do êxito; mas qualquer tentativa
sincera da mente material por comunicar-se com seu espírito interior alcança
certo êxito, ainda que a maioria destas magníficas experiências humanas devem
permanecer muito tempo como registros supraconscientes na alma desses mortais
que conhecem a Deus».
p1475:4 133:4.11 Ao rapaz fugitivo Jesus lhe
disse: «Recordai que há dois seres de quem não podes escapar - Deus e tu mesmo.
Onde quer que possas ir, leva-te a ti mesmo e ao espírito do Pai celestial que
vive dentro de teu coração. Meu filho, pára de tentar se enganar; ponha-se à
prática valente de enfrentar-te aos fatos da vida; agarra-te firme à segurança
da filiação com Deus e à certeza da vida eterna, como te indiquei. De hoje em
diante, proponha-te ser um verdadeiro homem, um homem decidido a enfrentar a
vida com valentia e inteligência».
p1475:5 133:4.12 Ao criminoso
condenado disse em seus últimos momentos: «Meu irmão, tens passado por maus
momentos. Perdeste teu caminho; ficaste enredado nas malhas do crime. Só de
conversar contigo, sei muito bem que não havias planejado fazer o que agora está
a ponto de custar a tua vida temporal. Mas cometeste essa má ação, e teus
semelhantes te julgaram culpado; decidiram que deverás morrer. Nem tu nem eu
podemos negar ao estado, este direito de defesa própria do jeito que quiser.
Parece que não há maneira de escapar humanamente ao castigo de teu delito. Teus
semelhantes devem julgar-te pelo que fizeste, todavia existe um Juiz a quem
podes apelar para ser perdoado, e que te julgará por teus verdadeiros motivos e
tuas melhores intenções. Não deves temer enfrentar o juízo de Deus, se teu
arrependimento é autêntico e tua fé sincera. O fato de que teu erro leve consigo
a pena de morte imposta pelos homens, não afeta à oportunidade que tem tua alma
de obter justiça e de gozar de misericórdia ante os tribunais celestiais».
p1476:1 133:4.13 Jesus desfrutou de muitas conversas íntimas com um
grande número de almas famintas, demasiado numerosas para ser incluídas nesta
narração. Os três viajantes desfrutaram de sua estada em Corinto. À exceção de
Atenas, que era mais famosa como centro de educação, Corinto era a cidade mais
importante da Grécia nesta época romana, e sua estada de dois meses neste centro
comercial florescente, proporcionou aos três a oportunidade de adquirir uma
experiência valiosíssima. Sua estada nesta cidade foi uma das escalas mais
interessantes no caminho de regresso a Roma.
p1476:2 133:4.14 Gonod
tinha muitos interesses em Corinto, mas finalmente terminou seus negócios e eles
prepararam-se para navegar para Atenas. Viajaram em um pequeno barco que podia
ser transportado por terra sobre um carril de um dos portos de Corinto até o
outro, a uma distância de dez milhas.
Em Atenas - Discurso sobre a Ciência
p1476:3 133:5.1 Pouco depois, eles chegaram ao antigo centro da
ciência e do saber gregos, e Ganid ficou muito emocionado com a idéia de estar
em Atenas, de estar na Grécia, o centro cultural do antigo império de Alexandre,
que havia estendido suas fronteiras até seu próprio país da Índia. Havia poucos
negócios que tratar; por isso Gonod passou a maior parte de seu tempo com Jesus
e Ganid, visitando os numerosos lugares interessantes e escutando as atrativas
discussões entre o rapaz e seu versátil mestre.
p1476:4 133:5.2 Uma
grande universidade florescia ainda em Atenas, e o trio fez freqüentes visitas
às suas salas de ensino. Jesus e Ganid haviam discutido a fundo os ensinamentos
de Platão quando assistiram às conferências no museu de Alexandria. Todos
desfrutaram da arte de Grécia, cujos exemplos ainda podiam ser achados aqui e
ali pela cidade.
p1476:5 133:5.3 Tanto o pai como o filho desfrutaram
grandemente da discussão sobre a ciência, que Jesus teve com um filósofo grego,
à noite em sua pousada. Depois que aquele pedante falou por quase três horas e
terminou seu discurso, Jesus disse, em linguagem do pensamento moderno:
p1476:6 133:5.4 Algum dia, os cientistas poderão medir a energia ou as
manifestações da força da gravidade, da luz e da eletricidade, mas estes mesmos
cientistas nunca poderão dizer (cientificamente) que estes são fenômenos do
universo. A ciência trata das atividades da energia física; a religião trata dos
valores eternos. A verdadeira filosofia procede da sabedoria, que faz tudo o que
pode para correlacionar estas observações quantitativas e qualitativas. Sempre
existe o perigo de que o cientista que se ocupa do puramente físico possa chegar
a sofrer de orgulho matemático e de egoísmo estatístico, sem mencionar a
cegueira espiritual.
p1476:7 133:5.5 A lógica é válida no mundo
material, e as matemáticas são fiáveis quando sua aplicação limita-se às coisas
físicas; porém nenhuma das duas pode considerar-se inteiramente digna de
confiança ou infalível quando se aplicam aos problemas da vida. A vida contém
fenômenos que não são totalmente materiais. A aritmética diz que se um homem
pode tosquiar uma ovelha em dez minutos, dez homens podem fazê-lo em um minuto.
Isto é uma lógica matemática, porém não é certo, porque os dez homens não
poderiam fazê-lo; estorvariam tanto uns aos outros que o trabalho se atrasaria
consideravelmente.
p1477:1 133:5.6 As matemáticas afirmam que se uma
pessoa representa certa unidade de valor intelectual e moral, dez pessoas
representariam dez vezes esse valor. Porém, ao tratar da personalidade humana,
estaria mais perto da verdade dizer que uma associação semelhante de
personalidades é igual ao quadrado do número de personalidades que figuram na
equação, em lugar de sua simples soma aritmética. Um grupo social de seres
humanos que trabalha em harmonia coordenada representa uma força muito maior que
a simples soma de seus componentes.
p1477:2 133:5.7 A quantidade pode
ser identificada como um fato, convertendo-se assim em uma uniformidade
científica. A qualidade, sendo um questão de interpretação da mente, representa
uma estimativa de valores, e portanto, deve permanecer como uma experiência do
indivíduo. Quando a ciência e a religião se tornem menos dogmáticas e mais
tolerantes à crítica, a filosofia começará então a conseguir a unidade na
compreensão inteligente do universo.
p1477:3 133:5.8 Existe unidade no
universo cósmico, se apenas pudésseis discernir seu funcionamento em seu estado
atual. O universo real é amigável para cada filho do Deus eterno. O verdadeiro
problema é: Como a mente finita do homem pode atingir uma correspondente unidade
de pensamento lógica e verdadeira ? Este estado mental de conhecimento do
universo só pode ser obtido, compreendendo que os fatos quantitativos e os
valores qualitativos têm uma causa comum no Pai do Paraíso. Uma concepção assim
da realidade, produz uma compreensão mais ampla da unidade intencional dos
fenômenos do universo; revela inclusive uma meta espiritual que a personalidade
alcança de maneira progressiva. E este é um conceito de unidade que pode
perceber o pano de fundo imutável de um universo vivo de contínuas mudanças de
relações impessoais e de relacionamentos pessoais em desenvolvimento.
p1477:4 133:5.9 A matéria, o espírito e o estado intermediário entre
ambos, são três níveis interrelacionados e interassociados da verdadeira unidade
do universo real. Por muito divergentes que possam parecer os fenômenos
universais dos fatos e dos valores, no fim das contas estão unificados no
Supremo.
p1477:5 133:5.10 A realidade da existência material está
vinculada à energia não reconhecida bem como à matéria visível. Quando as
energias do universo são freadas até o ponto de adquirir o grau requerido de
movimento, então, em condições favoráveis, estas mesmas energias convertem-se em
massa. E não esqueceis que a mente, a única que pode perceber a presença das
realidades aparentes, é também real. E a causa fundamental deste universo de
energia-massa, de mente e de espírito, é eterna -existe e consiste na natureza e
nas reações do Pai Universal e de seus coordenados absolutos.
p1477:6
133:5.11 Todos estavam mais que assombrados pelas palavras de Jesus, e quando o
grego despediu-se deles, disse: «Finalmente meus olhos viram a um judeu que
pensa em algo mais que na superioridade racial, e que fala de algo mais que de
religião». E eles retiraram-se para passar a noite.
p1477:7 133:5.12 A
estada em Atenas foi agradável e proveitosa, mas não particularmente frutífera
em contatos humanos. Demasiados atenienses daqueles tempos, ou estavam
intelectualmente orgulhosos de sua reputação do passado, ou eram mentalmente
estúpidos e ignorantes, pois descendiam dos escravos inferiores trazidos em
épocas anteriores, quando havia glória na Grécia e sabedoria na mente de seus
habitantes. Entretanto, ainda existia muitas mentes agudas a serem encontradas
entre os cidadãos de Atenas.
Em Éfeso - Discurso Sobre a Alma
p1477:8 133:6.1 Ao deixar Atenas, os viajantes foram pelo
caminho de Trôade até Éfeso, a capital da província romana da Ásia. Efetuaram
muitas visitas ao célebre templo de Artêmis dos Efésios, cerca de duas milhas da
cidade. Artêmis era a deusa mais famosa de toda Ásia Menor e uma perpetuação da
deusa mãe ainda mais antiga da Anatolia de épocas anteriores. Dizia-se que o
tosco ídolo que se exibia no enorme templo dedicado a seu culto havia caído do
céu. Nem tudo das primeiras lições de Ganid sobre o respeitar imagens como
símbolos da divindade havia sido erradicada, e ele achou que seria melhor
comprar um pequeno relicário de prata em honra à esta deusa da fertilidade da
Ásia Menor. Aquela noite eles conversaram longamente sobre a adoração dos
objetos feitos com as mãos humanas.
p1478:1 133:6.2 No terceiro dia de
sua estada, eles caminharam rio abaixo para observar a dragagem do porto em sua
desembocadura. Ao meio-dia conversaram com um jovem fenício que estava muito
desanimado e com saudades de seu país; mas que sobre tudo sentia inveja de um
certo jovem que havia recebido uma promoção acima dele. Jesus disse-lhe palavras
confortantes e citou o antigo provérbio hebreu: «O talento de um homem abre
caminho para ele e o leva diante dos grandes homens».
p1478:2 133:6.3 De
todas as grandes cidades que visitaram nesta viagem pelo Mediterrâneo, foi aqui
onde menos puderam fazer a favor do trabalho posterior dos missionários
cristãos. O cristianismo estabeleceu-se inicialmente em Éfeso graças, em grande
medida, aos esforços de Paulo, que residiu aqui por mais de dois anos,
fabricando tendas para ganhar a vida e dando conferências a cada noite sobre
religião e filosofia no salão principal da escola de Tirano.
p1478:3
133:6.4 Havia um pensador progressista que tinha ligação com esta escola local
de filosofia, e Jesus teve várias reuniões proveitosas com ele. No decurso
destas conversas, Jesus utilizou repetidas vezes a palavra «alma». Este grego
erudito acabou por perguntar-lhe o que ele entendia por «alma», e ele respondeu:
p1478:4 133:6.5 «A alma é a parte do homem que reflete seu eu, discerne
a verdade e percebe o espírito, e que eleva para sempre ao ser humano acima do
nível do mundo animal. A autoconsciência, em si mesma e por si mesma, não é a
alma. A autoconsciência moral é a verdadeira autorrealização humana e constitui
o fundamento da alma humana, e a alma é aquela parte do homem que representa o
valor potencial de sobrevivência da experiência humana. A escolha moral e a
realização espiritual, a aptidão para conhecer a Deus e o impulso de ser
semelhante a ele, são as caraterísticas da alma. A alma do homem não pode
existir sem pensamento moral e sem atividade espiritual. Um alma estancada é um
alma moribunda. Mas a alma do homem é distinta do espírito divino que reside
dentro da mente. O espírito divino chega ao mesmo tempo que a mente humana
efetua sua primeira atividade moral, e essa é a ocasião do nascimento da alma.
p1478:5 133:6.6 «A salvação ou a perda de uma alma dependem de que a
consciência moral alcance ou não o estado de sobrevivência mediante uma aliança
eterna com o espírito imortal associado que lhe foi dado. A salvação é a
espiritualização da autorrealização da consciência moral, que adquire deste modo
um valor de sobrevivência. Todos os tipos de conflitos da alma consistem na
falta de harmonia entre a autoconsciência moral ou espiritual, e a
autoconsciência puramente intelectual.
p1478:6 133:6.7 «Quando a alma
humana está madura, enobrecida e espiritualizada, aproxima-se ao estado
celestial na qual ela quase chega ser uma entidade intermediária entre o
material e o espiritual, entre o eu material e o espírito divino. A alma
evolutiva de um ser humano é difícil de descrever e ainda mais difícil de
demonstrar, porque não pode ser descoberta pelo método da investigação material
nem pelo da prova espiritual. Nem a ciência material nem a prova puramente
espiritual, podem demonstrar a existência de uma alma. Apesar de que a ciência
material e os critérios espirituais não podem descobrir a existência da alma
humana, todo mortal moralmente consciente conhece a existência de sua alma como
uma experiência pessoal real e efetiva».
A Estada em Chipre - Discurso Sobre a Mente
p1479:1 133:7.1 Pouco depois, os viajantes navegaram para
Chipre, parando em Rodas. Desfrutaram desta longa viagem marítima e chegaram a
sua ilha de destino com o corpo descansado e o espírito renovado.
p1479:2 133:7.2 Haviam planejado desfrutar de um período de verdadeiro
descanso e divertimento durante esta visita a Chipre, pois seu giro pelo
Mediterrâneo estava chegando a seu fim. Desembarcaram em Pafos e começaram em
seguida a reunir as provisões para sua estada de várias semanas nas montanhas
próximas. No terceiro dia depois de sua chegada, eles partiram para as colinas
com seus animais bem carregados.
p1479:3 133:7.3 O trio se divertiu
sumamente por duas semanas, e então, de repente, o jovem Ganid ficou gravemente
enfermo. Durante duas semanas ele padeceu de uma febre intensa, que
freqüentemente o levava até o delírio; tanto Jesus como Gonod mantiveram-se
ocupado cuidando do rapaz enfermo. Jesus cuidou do garoto com habilidade e
ternura, e o pai ficou maravilhado pela delicadeza e a perícia que Jesus
demonstrou em todos os seus cuidados para com o jovem doente. Eles estavam longe
de toda moradia humana, e o rapaz estava demasiado enfermo para ser removido;
assim pois, prepararam-se o melhor que puderam para cuidá-lo até que se
recuperasse ali mesmo nas montanhas.
p1479:4 133:7.4 Durante as três
semanas da convalescência de Ganid, Jesus contou-lhe muitas coisas interessantes
sobre a natureza e suas diversas manifestações. Divertiram-se muito enquanto
vagavam pelas montanhas, com o rapaz fazendo perguntas, Jesus respondendo-as e o
pai maravilhando-se com toda a cena.
p1479:5 133:7.5 A última semana de
sua estada nas montanhas, Jesus e Ganid tiveram uma longa conversa sobre as
funções da mente humana. Depois de várias horas de discussão, o jovem fez esta
pergunta: «Mas, Mestre, o que queres dizer quando afirmas que o homem
experimenta uma forma de autoconsciência mais elevada do que a que experimentam
os animais mais evoluídos?» E dito novamente em linguagem moderna, Jesus
respondeu-lhe:
p1479:6 133:7.6 Meu filho, já te falei muito sobre a
mente do homem e do espírito divino que vive nela, mas agora, permita-me
enfatizar que a autoconsciência é uma realidade. Quando um animal torna-se
autoconsciente, converte-se em um homem primitivo. Esta realização resulta de
uma coordenação de funções entre a energia impessoal e a mente que concebe o
espírito, e este fenômeno é o que justifica a doação de um ponto focal absoluto
à personalidade humana, o espírito do Pai que está nos céus.
p1479:7
133:7.7 As idéias não são simplesmente um registro de sensações; as idéias são
sensações, mais as interpretações refletivas do eu pessoal; e o eu é mais do que
a soma de suas sensações. Em uma individualidade que evolui começa a ter um
indício de aproximação à unidade, e essa unidade deriva-se da presença interior
de um fragmento da unidade absoluta, que ativa espiritualmente essa mente
autoconsciente de origem animal.
p1479:8 133:7.8 Nenhum simples animal
pode possuir uma autoconsciência do tempo. Os animais possuem uma coordenação
fisiológica de sensações e reconhecimentos associados, e a memória
correspondente, mas nenhum deles experimenta um reconhecimento de sensações que
tenha um significado, nem mostra uma associação intencional destas experiências
físicas combinadas, tal como se manifestam nas conclusões das interpretações
humanas inteligentes e refletivas. E este fato da existência autoconsciente,
associado à realidade de sua experiência espiritual posterior, constitui ao
homem um filho potencial do universo e prenuncia que alcançará finalmente à
Unidade Suprema do universo.
p1480:1 133:7.9 O eu humano tampouco é
simplesmente a soma de seus estados sucessivos de consciência. Sem o
funcionamento eficaz de uma consciência classificadora e associadora, não
existiria uma unidade suficiente para justificar a denominação da
individualidade. Uma mente não unificada deste tipo dificilmente poderia
alcançar os níveis de consciência do estado humano. Se as associações de
consciência não fossem mais que um acidente, a mente de todos os homens
manifestaria então as associações descontroladas e desatinadas de certas fases
da loucura mental.
p1480:2 133:7.10 Uma mente humana baseada
exclusivamente na consciência das sensações físicas, nunca poderia alcançar os
níveis espirituais; este tipo de mente material careceria totalmente do senso
dos valores morais e estaria desprovida do sentido diretor de dominação
espiritual, que é tão essencial para atingir a unidade harmoniosa da
personalidade no tempo, e que é inseparável da sobrevivência da personalidade na
eternidade.
p1480:3 133:7.11 A mente humana começa logo a manifestar
qualidades que são supramateriais; o intelecto humano verdadeiramente refletivo
não está atado totalmente pelos limites do tempo. O fato de que os indivíduos
sejam tão diferentes nas ações de sua vida, não somente indica as variadas
dotações hereditárias e as diferentes influências do seu entorno, mas também o
grau de unificação que o eu atingiu com o espírito interior do Pai, a medida da
identificação de um com o outro.
p1480:4 133:7.12 A mente humana não
suporta bem o conflito da dupla fidelidade. É uma tensão severa para alma, o de
passar pela experiência de esforçar-se por servir ao bem e ao mal ao mesmo
tempo. A mente supremamente feliz e eficazmente unificada é a que está dedicada
inteiramente a fazer a vontade do Pai que está nos céus. Os conflitos não
resolvidos destroem a unidade e podem terminar no rompimento mental. Todavia, o
caráter de sobrevivência de uma alma não é favorecida pela tentativa de
assegurar a paz mental a qualquer preço, mediante o abandono das nobres
aspirações e o compromisso dos ideais espirituais; esta paz é alcançada de
preferência afirmando constantemente o triunfo do que é verdadeiro, e esta
vitória é obtida ao vencer o mal com a poderosa força do bem.
p1480:5
133:7.13 No dia seguinte eles partiram para Salamina, onde embarcaram-se para
Antioquia, na costa da Síria.
Em Antióquia
p1480:6 133:8.1 Antioquia era a capital da província romana da
Síria, e o governador imperial tinha aqui sua residência. Antioquia tinha meio
milhão de habitantes; era a terceira cidade do império em importância e a
primeira em perversidade e flagrante imoralidade. Gonod tinha que tratar de
muitos negócios; de maneira que Jesus e Ganid ficaram por conta própria a
maioria do tempo. Eles visitaram tudo nesta cidade poliglota, exceto o bosque de
Dafne. Gonod e Ganid visitaram este notório santuário da indecência, mas Jesus
negou-se a acompanhá-los. Aquelas cenas não eram tão chocantes para os indianos,
mas eram repelentes para um hebreu idealista.
p1480:7 133:8.2 Jesus foi
ficando sério e pensativo à medida que se aproximava à Palestina e ao final de
sua viagem. Conversou com pouca gente em Antioquia e raramente passeou pela
cidade. Depois de muito perguntar por que seu mestre manifestava tão pouco
interesse por Antioquia, Ganid convenceu finalmente a que Jesus dissesse: «Esta
cidade não está longe da Palestina; talvez volte aqui algum dia».
p1481:1 133:8.3 Ganid teve uma experiência muito interessante em
Antioquia. Este jovem havia demonstrado ser um aluno capaz e já havia começado a
praticar alguns dos ensinamentos de Jesus. Havia um certo indiano relacionado
com os negócios de seu pai em Antioquia, que havia se tornado tão desagradável e
enfadado que haviam pensado em despedi-lo. Quando Ganid escutou isso, dirigiu-se
ao centro de negócios de seu pai e teve uma longa conversa com seu compatriota.
Este homem sentia que haviam lhe colocado numa tarefa equivocada. Ganid
falou-lhe do Pai que está nos céus e lhe ampliou de diversas maneiras sua visão
da religião. Porém, de tudo o que Ganid disse, o trecho que mais lhe fez bem foi
um provérbio hebreu, cujas palavras de sabedoria diziam: «Qualquer coisa que tua
mão tenha que fazer, faça-a com todas as tuas forças».
p1481:2 133:8.4
Depois de preparar sua bagagem para a caravana de camelos, eles desceram até
Sidon e dali foram a Damasco; e três dias depois prepararam-se para o longo
trajeto através das areias do deserto.
Em Mesopotâmia
p1481:3 133:9.1 A viagem na caravana através do deserto não era
uma experiência nova para estes muito viajados homens. Depois de ver seu mestre
ajudar a carregar seus vinte camelos, e ao observar que se oferecia como
voluntário para conduzir seu próprio animal, Ganid exclamou: «Mestre, há algo
que não saibas fazer?» Jesus limitou-se a sorrir, dizendo: «Um mestre não deixa
de ter méritos aos olhos de um aluno aplicado». E partiram assim para a antiga
cidade de Ur.
p1481:4 133:9.2 Jesus ficou muito interessado pela antiga
história de Ur, lugar onde nasceu Abraão, e ficou igualmente fascinado com as
ruínas e tradições de Susa, de tal maneira que Gonod e Ganid prolongaram sua
estada nestas regiões por mais três semanas afim de permitir que Jesus tivesse
mais tempo para conduzir suas investigações, e também para encontrar a melhor
oportunidade de persuadi-lo para que regressasse com eles à Índia.
p1481:5 133:9.3 Foi em Ur que Ganid teve uma longa conversa com Jesus
sobre a diferença entre o conhecimento, a sabedoria e a verdade. E ele ficou
muito encantado com o provérbio do sábio hebreu: «A sabedoria é o principal;
portanto, adquira sabedoria. Junto a toda tua busca do conhecimento, adquira a
compreensão. Exalte a sabedoria e ela te fará progredir. Levar-te-á até as
honras desde que a pratiques».
p1481:6 133:9.4 Finalmente chegara o dia
da separação. Todos foram valentes, especialmente o jovem, mas foi uma dura
prova. Tinham lágrimas nos olhos, mas coragem no coração. Ao despedir-se de seu
mestre, Ganid lhe disse: «Adeus, Mestre, mas não para sempre. Quando eu volte a
Damasco, buscar-te-ei. Eu te amo, pois creio que o Pai que está nos céus deve
ser algo parecido contigo; ao menos sei que tu te pareces muito ao que me tens
contado dele. Recordarei teu ensinamento, mas acima de tudo, nunca te
esquecerei». O pai disse: «Adeus a um grande mestre, a alguém que nos fez
melhores e que nos ajudou a conhecer a Deus». E Jesus respondeu: «Que a paz
esteja convosco, e que a benção do Pai que está nos céus permaneça sempre
convosco». E Jesus ficou na margem, contemplando como o pequeno barco os levava
até o navio ancorado. O Mestre separou-se assim de seus amigos da Índia em
Charax, para nunca mais vê-los novamente neste mundo; eles tampouco jamais
souberam, neste mundo, que o homem que mais tarde apareceu como Jesus de Nazaré
era este mesmo amigo que acabavam de deixar - Josué seu instrutor.
p1481:7 133:9.5 Na Índia, Ganid cresceu e tornou-se um homem influente,
um digno sucessor de seu eminente pai, e divulgou por todas as partes muitas das
nobres verdades que havia aprendido de Jesus, seu amado mestre. Mais tarde em
vida, quando Ganid ouviu falar do estranho educador da Palestina que terminou
sua carreira numa cruz, ainda que reconheceu a similaridade entre o evangelho
deste Filho do Homem e os ensinamentos de seu tutor judeu, nunca lhe ocorreu
pensar que os dois eram de fato a mesma pessoa.
p1482:1 133:9.6 Assim
terminou o capítulo da vida do Filho do Homem que poderia entitular-se: A missão
de Josué, o educador.
Tradução Voluntária Por : Heitor Carestiato Neto