Segunda-Feira em Jerusalém
Introdução
Cedo na manhã desta segunda-feira, mediante arranjo
prévio, Jesus e os apóstolos se reuniram na casa de Simão em Betânia e, depois
de uma breve conferência, partiram para Jerusalém. Os doze estavam estranhamente
silenciosos enquanto se dirigiam para o templo; não haviam se recuperado da
experiência do dia anterior. Estavam expectantes, temerosos e profundamente
afetados por um determinado sentimento de distanciamento que surgia como
resultado da súbita mudança tática do Mestre, unido às suas instruções de que
não deviam empreender nenhum ensinamento público durante toda esta semana da
Páscoa.
p1888:2 173:0.2 Enquanto este grupo descia o Monte das
Oliveiras, com Jesus à frente, os apóstolos seguiam quase atrás em um silêncio
meditativo. Havia apenas um pensamento na mente de todos, exceto Judas
Iscariotes, e este era: O que o Mestre fará hoje? O único pensamento que
absorvia Judas era: O que vou fazer? Vou continuar com Jesus e meus
companheiros, ou vou retirar-me? E se os deixar, como vou romper?
p1888:3 173:0.3 Era cerca das nove desta bela manhã quando estes homens
chegaram ao templo. Dirigiram-se em seguida ao grande pátio onde Jesus ensinava
tão freqüentemente, e depois de saudar os crentes que o estavam esperando, Jesus
subiu numa das plataformas de instrução e começou a falar à multidão congregada.
Os apóstolos recuaram a uma curta distância e esperaram os acontecimentos.
A Purificação do Templo
p1888:4 173:1.1 Um imenso tráfico comercial havia
surgido em associação aos serviços e às cerimônias de culto no templo. Existia o
comércio de fornecimento de animais apropriados para os diversos sacrifícios.
Ainda que estava permitido que os fiéis providenciassem seus próprios
sacrifícios, persistia o fato de que este animais deviam estar livres de todo
“defeito” no sentido da lei levítica, e conforme interpretado pelos inspetores
oficiais do templo. Muitos fiéis haviam experimentado a humilhação de terem seus
animais aparentemente perfeitos rejeitados pelos examinadores do templo. Por
esta razão, tornara-se prática mais do que comum, comprar no templo os animais
de sacrifício, e ainda que havia diversos lugares perto do Oliveto onde podiam
ser comprados, havia se tornado moda comprar estes animais diretamente dos
currais do templo. Este costume de vender todo tipo de animais de sacrifício nos
pátios do templo havia surgido gradualmente. Assim foi trazido à existência, um
extensivo negócio, na qual eram obtidos enormes lucros. Uma parte destes ganhos
estava reservada para o tesouro do templo, mas a maior parte ia indiretamente
para as mãos das famílias dos altos sacerdotes no poder.
p1888:5 173:1.2
Esta venda de animais no templo prosperou porque, quando um fiel comprava um
animal, ainda que o preço fosse um pouco alto, já não tinha que ser pago mais
nenhum tributo, e poda ficar certo de que o sacrifício proposto não seria
rejeitado sob o pretexto de possuir defeitos reais ou funcionais. Em uma época
ou outra, eram praticados programas de aumentos de preços exorbitantes ao povo
comum, especialmente durante as grandes festas nacionais. Em um momento dado, os
gananciosos sacerdotes chegaram a ponto de exigir o valor equivalente de uma
semana de trabalho por um par de pombos que deveriam ter sido vendidos aos
pobres por uns poucos centavos. Os “filhos de Anás” já haviam começado a
instalar seus bazares nos recintos do templo, aqueles mesmos mercados de gêneros
que sobreviveram até a época de sua derrocada final graças à multidão, três anos
antes da destruição do próprio templo.
p1889:1 173:1.3 Mas o tráfico de
animais de sacrifício e de diversas mercadorias não era a única forma em que os
pátios do templo eram profanados. Nesta época havia se fomentado um amplo
sistema de câmbio bancário e comercial, que era levado a efeito diretamente
dentro dos recintos do templo. E tudo isto acontecia da seguinte maneira:
Durante a dinastia dos Asmoneus, os judeus cunharam sua própria moeda de prata,
e havia se estabelecido a prática de exigir que os impostos do templo de meio
siclo e todas as demais taxas do templo fossem pagas com esta moeda judaica.
Esta regulamentação necessitava que uns cambistas fossem autorizados para que
permutassem os vários tipos de moedas em circulação em toda Palestina e outras
províncias do Império Romano por este siclo ortodoxo de cunhagem judaica. O
imposto do templo percapita, pagável por todo mundo à exceção das mulheres, dos
escravos e dos menores de idade, era de meio siclo, uma moeda quase do tamanho
de uma de dez centavos, mas duas vezes mais grossa. Nos tempos de Jesus, os
sacerdotes também estavam isentos de pagar os impostos do templo. Desta forma,
de 15 a 25 do mês anterior à Páscoa, os cambistas credenciados instalavam suas
barracas nas principais cidades da Palestina, com a finalidade de abastecer os
judeus com a moeda apropriada para saldar os impostos do templo quando chegassem
a Jerusalém. Depois deste período de dez dias, estes cambistas se mudavam para
Jerusalém e montavam suas bancas de câmbio nos pátios do templo. Eles eram
permitidos a cobrar o equivalente a uma comissão de três ou quatro centavos pelo
câmbio de uma moeda valorada em cerca de dez centavos, e se uma moeda de maior
valor fosse oferecida em troca, eles estavam autorizados a cobrar o dobro. Da
mesma forma, estes banqueiros do templo lucravam ao cambiar todo o dinheiro
destinado a compra dos animais de sacrifício e ao pagamento dos votos e execução
de oferendas.
p1889:2 173:1.4 Estes cambistas do templo não só
comandavam um negócio bancário regular para lucrarem com o câmbio de mais de
vinte tipos de moedas que os peregrinos visitantes traziam periodicamente a
Jerusalém, senão que também se engajavam em todas as outras classes de
transações relacionadas ao serviço bancário. Tanto o tesouro do templo como os
chefes do mesmo lucravam tremendamente com estas atividades comerciais. Não era
raro que o tesouro do templo contivesse mais de dez milhões de dólares, enquanto
que o povo comum languescia na miséria e continuava a pagar estas cobranças
injustas.
p1889:3 173:1.5 Nesta segunda-feira pela manhã, Jesus tentou
ensinar o evangelho do reino celestial no meio desta aglutinação ruidosa de
cambistas, mercadores e vendedores de gado. Ele não era o único a ressentir esta
profanação do templo; o povo comum, especialmente os visitantes judeus das
províncias estrangeiras, também ressentiam completamente esta profanação
especulativa de seu templo nacional de culto. Nesta época, o mesmo sinédrio
celebrava suas reuniões regulares em uma sala cercada por todo este murmúrio e
confusão do comércio e do câmbio.
p1890:1 173:1.6 Quando Jesus estava
prestes a começar seu discurso, aconteceram duas coisas que atraíram sua
atenção. Na banca de dinheiro de um cambista próximo, uma violenta e acalorada
discussão irrompera, sobre uma suposta cobrança excessiva de um judeu de
Alexandria, ao mesmo tempo que o ar foi rasgado por mugidos de uma manada de uns
cem bois que estavam sendo conduzidos de uma seção dos currais à outra. Enquanto
Jesus se detinha, contemplando de maneira silenciosa, porém meditativa esta cena
de comércio e de confusão, ele observou perto dele um galileu simples, um homem
com quem ele havia falado uma vez em Irom, sendo ridicularizado e empurrado por
uns judeus arrogantes e pseudo-superiores; e tudo isto se combinou para produzir
na alma de Jesus, um desses estranhos e periódicos arroubos de emoção indignada.
p1890:2 173:1.7 Ante o assombro de seus apóstolos, que estavam ao
alcance da mão, que se abstiveram de participar no que se seguiu a continuação,
Jesus desceu da plataforma de instrução e, dirigindo-se até o rapaz que estava
conduzindo o gado através do pátio, tomou-lhe seu chicote de cordas e
rapidamente tirou os animais do templo. Mas isto não foi tudo; ante o olhar
assombrado das milhares de pessoas reunidas no pátio do templo, ele se
encaminhou majestosamente para o curral mais afastado, e se pôs a abrir as
portas de cada estábulo e a expulsar os animais trancados. Nesse momento os
peregrinos reunidos ficaram entusiasmados, e com uma gritaria barulhenta se
dirigiram em direção aos bazares e começaram a derrubar as mesas dos cambistas.
Em menos de cinco minutos, todo comércio havia sido varrido do templo. No
momento em que os guardas romanos ali perto entraram em cena, tudo estava
tranqüilo, e as multidões haviam se tornado disciplinadas; Jesus, voltando à
tribuna dos oradores, falou à multidão: “Hoje vós presenciastes o que está
escrito nas Escrituras: `Minha casa será chamada uma casa de oração para todas
as nações, mas vós a transformastes em um covil de ladrões.'”
p1890:3
173:1.8 Antes que ele pudesse dizer outras palavras, a grande assembléia
irrompeu em hosanas de louvor, e nesse momento um grande grupo de jovens saiu da
multidão para cantar hinos de gratidão porque os mercadores profanos e
usurpadores haviam sido expulsos do templo sagrado. Enquanto tanto, certos
sacerdotes haviam chegado ao lugar, e um deles disse a Jesus, “Não ouves o que
dizem os filhos dos levitas?” E o Mestre respondeu, “Nunca leste, `Da boca das
criancinhas e dos bebês o louvor foi aperfeiçoado?'” E todo resto daquele dia,
enquanto Jesus ensinava, guardiães estabelecidos pelo povo estiveram vigiando
todos os arcos de entrada, e não permitiram que ninguém transportasse nem sequer
uma vasilha vazia através dos pátios do templo.
p1890:4 173:1.9 Quando
os principais sacerdotes e os escribas se inteiraram sobre estes acontecimentos,
ficaram sem fala. Temiam ainda mais o Mestre, e se decidiram mais ainda a
destrui-lo. Mas eles estavam confusos. Não sabiam como executar sua morte, pois
temiam grandemente as multidões, que agora estavam tão sinceros em sua aprovação
pela derrubada dos especuladores profanos. E todo este dia, um dia tranqüilo e
calmo nos pátios do templo, o povo escutou o ensinamento de Jesus e literalmente
se pendurou em suas palavras.
p1890:5 173:1.10 Este ato surpreendente de
Jesus estava além da compreensão de seus apóstolos. Eles estavam tão
desconcertados por esta ação abrupta e inesperada de seu Mestre, que durante
todo o episódio permaneceram agrupados junto a tribuna dos oradores; não
levantaram nem um dedo para ajudar esta purificação do templo. Se este
acontecimento espetacular tivesse ocorrido no dia anterior, no momento da
chegada triunfal de Jesus ao templo no final da tumultuosa procissão através dos
portões da cidade, todo o tempo aclamado ruidosamente pela multidão, eles teriam
estado prontos pra isso, mas sucedendo da forma que foi, eles estavam
completamente despreparados para participar.
p1891:1 173:1.11 Esta
purificação do templo desvela a atitude do Mestre para com a comercialização das
práticas religiosas, bem como sua abominação por todas as formas de injustiça e
de especulação às custas dos pobres e ignorantes. Este episódio demonstra também
que Jesus não via com aprovação a recusa de se empregar a força para proteger a
maioria de um dado grupo humano, contra as práticas desleais e escravizantes de
umas minorias injustas que pudessem estar entrincheirando-se por trás do poder
político, financeiro ou eclesiástico. Os homens astutos, perversos e ardilosos
não devem ser permitidos a que se organizem para explorar e oprimir àqueles que,
por causa de seu idealismo, não estão dispostos a recorrer à violência para
autodefesa ou para promover seus louváveis projetos de vida.
O Desafio à Autoridade do Mestre
p1891:2 173:2.1 No domingo, a entrada triunfal em
Jerusalém intimidou tanto os dirigentes judeus que eles se abstiveram de prender
Jesus. Hoje, esta purificação espetacular do templo também adiou eficazmente a
apreensão do Mestre. Dia após dia, os chefes dos judeus estavam se tornando mais
e mais decididos a destrui-lo, mas estavam aturdidos por dois receios, que
conspiravam para atrasar o momento de atacar. Os principais sacerdotes e
escribas eram contrários a prender Jesus em público, com medo de que a multidão
pudesse se voltar contra eles num descontrole de raiva; também temiam a
possibilidade dos guardas romanos serem chamados para sufocar uma revolta
popular.
p1891:3 173:2.2 Na sessão do meio-dia do sinédrio, foi
unanimemente acordado, já que nenhum amigo do Mestre esteve presente a esta
reunião, que Jesus deveria ser destruído rapidamente. Mas eles não conseguiram
concordar sobre o momento e a maneira em que ele devia ser preso. Finalmente
concordaram estabelecer cinco grupos para que saíssem no meio do povo, e
tentassem enredá-lo em seus ensinamentos ou de outra forma, desacreditá-lo aos
olhos daqueles que escutavam sua instrução. Desta forma, por volta das duas,
quando Jesus acabava de começar seu discurso sobre “A liberdade da filiação”, um
grupo destes anciões de Israel avançaram até junto a ele e, interrompendo-o como
de costume, fizeram esta pergunta: “Com que autoridade fazes estas coisas? Quem
te deu essa autoridade?”
p1891:4 173:2.3 Era totalmente apropriado que
os dirigentes do templo e os funcionários do sinédrio judeu fizessem esta
pergunta a qualquer um que se atrevesse a ensinar e a atuar da maneira
extraordinária, na qual havia sido a característica de Jesus, especialmente no
que se referia à sua recente conduta de limpar o templo de todo comércio. Todos
estes mercadores e cambistas operavam mediante uma licença direta dos dirigentes
mais elevados, e era de se supor que uma porcentagem de seus lucros iam
diretamente para o tesouro do templo. Não esqueçais que a autoridade era o lema
de todo o judaísmo. Os profetas estavam sempre provocando problemas porque se
atreviam tão corajosamente a ensinar sem autoridade, sem terem sido devidamente
instruídos nas academias rabínicas, e consequentemente sem ordenarem-se
regularmente pelo sinédrio. A ausência desta autoridade para ensinar com
pretensão em público, era considerada como indicativa de uma arrogância
ignorante ou de uma rebelião aberta. Nesta época, só o sinédrio podia ordenar um
ancião ou um instrutor, e uma cerimônia deste tipo devia acontecer na presença
de, pelo menos três pessoas que tivessem sido previamente assim ordenadas. Esta
ordenação conferia o título de “rabino” ao educador e também o qualificava para
agir como juiz, “atando e desatando aquelas questões que lhe fossem trazidas
para adjudicação.”
p1892:1 173:2.4 Os dirigentes do templo se
apresentaram perante Jesus nesta hora da tarde, desafiando não somente o seu
ensinamento ademais de seus atos. Jesus sabia muito bem que estes mesmos homens
haviam doutrinado publicamente durante muito tempo que sua autoridade para
ensinar era satânica, e que todas as suas obras poderosas haviam sido forjadas
pelo poder do príncipe dos demônios. Por conseguinte, o Mestre iniciou sua
réplica à pergunta deles, fazendo-lhes outra pergunta. Jesus disse: “Eu também
gostaria de vos fazer uma pergunta na qual, se me responderdes, dir-vos-ei
igualmente com que autoridade faço estas obras. O batismo de João, de onde
vinha? João recebeu sua autoridade do céu ou dos homens?”
p1892:2
173:2.5 E quando seus interrogadores escutaram isso, afastaram-se a um lado para
consultarem entre si acerca da resposta que pudessem dar. Haviam pensado em
enredar Jesus diante da multidão, mas agora eram eles que se achavam bastante
confundidos ante todos os que estavam congregados nesse momento no pátio do
templo. E seu embaraço foi ainda mais evidente quando regressaram até Jesus,
dizendo: “A respeito do batismo de João, não podemos responder; não sabemos.” E
responderam desta maneira ao Mestre porque haviam raciocinado entre si: Se
dissermos que vem do céu, então ele dirá, Por quê não crestes nele, e talvez
acrescente que recebeu sua autoridade de João; e se dissermos que vem dos
homens, então a multidão poderia revoltar-se contra nós, pois a maioria pensa
que João era um profeta; e assim eles foram obrigados a chegar diante de Jesus e
do povo, para confessar que eles, os educadores e dirigentes religiosos de
Israel, não podiam (ou não queriam) expressar uma opinião sobre a missão de
João. E depois de terem falado, Jesus, fitando-os, disse, “Eu tampouco vos direi
com que autoridade faço estas coisas.”
p1892:3 173:2.6 Jesus nunca
pretendeu recorrer a João em apoio à sua autoridade; João nunca havia sido
ordenado pelo sinédrio. A autoridade de Jesus estava nele mesmo e na supremacia
eterna de seu Pai.
p1892:4 173:2.7 Ao empregar esta método de lidar com
os seus adversários, Jesus não pretendia se esquivar da pergunta. A princípio
isso poderia parecer que era culpado de uma evasiva magistral, mas não era
assim. Jesus nunca estava disposto a tirar proveito desleal, nem sequer de seus
inimigos. Com esta aparente evasiva, ele realmente proporcionou a resposta a
todos seus ouvintes à pergunta dos fariseus sobre a autoridade respaldada de sua
missão. Eles haviam afirmado que ele atuava mediante a autoridade do príncipe
dos demônios. Jesus havia asseverado repetidas vezes que todos os seus
ensinamentos e obras eram graças ao poder e autoridade de seu Pai que está nos
céus. Os dirigentes judeus se negavam a aceitar isso, e estavam tentando
encurralá-lo para que admitisse que era um educador irregular, uma vez que ele
nunca havia sido sancionado pelo sinédrio. Ao responder-lhes como fizera, apesar
de não reivindicar a autoridade vinda de João, assim ele satisfez o povo com a
conclusão de que o esforço de seus inimigos por enredarem-no, foi eficazmente
invertido sobre eles mesmos e serviu para seu grande descrédito aos olhos de
todos os presentes.
p1892:5 173:2.8 E era este talento do Mestre em
lidar com seus adversários que os fazia temê-lo tanto. Naquele dia não tentaram
fazer mais perguntas; retiraram-se para consultarem-se de novo entre si. Mas o
povo não foi lento em discernir a desonestidade e de insinceridade nestas
perguntas feitas pelos dirigentes judeus. Inclusive o povo comum não podia
deixar de distinguir entre a magnificência moral do Mestre e a hipocrisia
ardilosa de seus inimigos. Mas a purificação do templo havia levado os saduceus
para junto dos fariseus para aperfeiçoarem os planos pra destruir Jesus. E os
saduceus representavam agora a maioria do sinédrio.
A Parábola dos Dois Filhos
p1893:1 173:3.1 Enquanto os capciosos fariseus
permaneciam ali em silêncio diante de Jesus, ele fitou-os e disse: “Uma vez que
estais em dúvida sobre missão de João, e vos revestis em inimizade contra o
ensinamento e as obras do Filho do Homem, prestai atenção enquanto vos conto um
parábola: Um importante e respeitado fazendeiro tinha dois filhos, e desejando a
assistência de seus filhos na administração de suas grandes propriedades,
aproximou-se de um deles, dizendo, `Filho, vai trabalhar hoje em minha vinha.' E
este filho irrefletido respondeu a seu pai: `Não irei'; mas se arrependeu mais
tarde, e foi. Quando encontrou seu filho mais velho, disse-lhe da mesma forma,
`Filho, vai trabalhar em minha vinha.' E este filho hipócrita e infiel
respondeu, `Sim, meu pai, eu irei.' Mas quando seu pai partiu, ele não foi.
Deixai-me vos perguntar, qual destes filhos fez realmente a vontade de seu pai?”
p1893:2 173:3.2 E o povo respondeu de comum acordo, dizendo: “O primeiro
filho.” E então Jesus disse: “Isso mesmo; e agora vos afirmo que os publicanos e
as prostitutas, ainda que pareçam rechaçar o chamamento ao arrependimento, verão
o erro de seu caminho e entrarão no reino de Deus antes de vós, que fazeis
grandes ostentações de servir ao Pai que está nos céus, ao mesmo tempo que vos
negais a fazer as obras do Pai. Não fostes vós, os fariseus e escribas, que
crêreis em João, mas sim os publicanos e os pecadores; tampouco crêreis em meu
ensinamento, mas o povo comum escuta minhas palavras com boa
vontade.”
p1893:3 173:3.3 Jesus não desprezava os fariseus e saduceus
pessoalmente. Era seus sistemas de ensinamento e de práticas que ele procurava
desacreditar. Não era hostil a ninguém, mas nesse momento estava se produzindo o
confronto inevitável entre uma religião do espírito nova e viva, e a antiga
religião das cerimônias, tradição e de autoridade.
p1893:4 173:3.4 Os
doze apóstolos permaneceram todo este tempo junto ao Mestre, mas não
participaram de forma alguma nestes assuntos. Cada um dos doze estava reagindo,
a estes acontecimentos destes últimos dias do ministério de Jesus na carne,
segundo sua própria maneira particular, e cada um permaneceu igualmente
obediente à ordem do Mestre a que se abstivessem de ensinar e predicar em
público durante esta semana da Páscoa.
A Parábola do Proprietário Ausente
p1893:5 173:4.1 Quando os principais fariseus e
escribas que haviam tentado enredar Jesus com suas perguntas terminaram de
escutar a história dos dois filhos, eles se retiraram para consultarem-se mais
uma vez, e o Mestre, voltando sua atenção à atenta multidão, contou uma outra
parábola:
p1893:6 173:4.2 “Havia um bom homem que era dono de uma
propriedade, e ele plantou uma vinha. Pôs uma sebe em volta dela, cavou um
buraco para o lagar, e construiu uma torre de vigilância para os guardas. Depois
alugou esta vinha a uns arrendatários enquanto partia para um longa viagem a
outro país. E quando a temporada dos frutos se aproximou, ele enviou uns servos
aos arrendatários para que recebessem seu aluguel. Mas eles se consultaram entre
si, e se negaram a dar a estes criados os frutos devidos ao seu senhor; ao invés
disso, eles atacaram os servos, golpeando um, apedrejando um outro, e despedindo
os demais com as mãos vazias. E quando o proprietário soube de tudo isso, enviou
outros servos de mais confiança para que tratassem com estes perversos
arrendatários, mas eles machucaram a estes novos criados e também os trataram de
maneira vergonhosa. Então o senhor enviou a seu servo favorito, seu
administrador, e eles o mataram. E entretanto, com paciência e indulgência, ele
despachou a outros vários servos, mas não quiseram receber a nenhum. Eles
bateram em alguns, mataram outros, e quando o proprietário se sentiu tratado
desta maneira, decidiu enviar seu filho para que tratasse com aqueles
arrendatários ingratos, dizendo a si mesmo, `Podem maltratar a meus servos, mas
seguramente mostrarão respeito por meu amado filho.' Mas quando aqueles
arrendatários malvados e impenitentes viram o filho, raciocinaram entre eles:
`Este é o herdeiro; vamos, vamos matá-lo e então a herança será nossa.' Assim
pois, o agarraram, e depois de expulsá-lo da vinha, mataram-no. Quando o dono
daquela vinha souber de que forma eles rechaçaram e mataram seu filho, o que
fará com aqueles arrendatários ingratos e perversos?”
p1894:1 173:4.3 E
depois do povo escutar esta parábola e a pergunta que Jesus fizera, responderam:
“Ele destruirá a esses miseráveis e arrendará sua vinha a outros fazendeiros
honestos, que lhe entregarão os frutos na sua época.” E quando alguns deles que
ouviram, perceberam que esta parábola se referia à nação judaica, a seu
tratamento para com os profetas e à rejeição iminente de Jesus e do evangelho do
reino, disseram com tristeza, “Deus nos livre de fazermos estas coisas.”
p1894:2 173:4.4 Jesus viu um grupo de saduceus e fariseus abrindo
caminho através da multidão, e interrompeu por um momento até que se acercassem
dele, então disse: “Sabeis como vossos pais rechaçaram os profetas, e sabeis
muito bem que estais decididos em vossos corações, a rechaçar o Filho do Homem.”
E aí, encarando com olhar penetrante os sacerdotes e anciões que estavam perto
dele, Jesus disse: “Nunca lestes nas Escrituras acerca da pedra que os
construtores rechaçaram, e que se tornou a pedra angular quando o povo a
descobriu? E por isso, eu vos advirto mais uma vez que, se continuais rechaçando
este evangelho, logo, logo o reino de Deus será tirado de vós, e será entregue a
um povo disposto a receber a boa nova e a render os frutos do espírito. E esta
pedra contém um mistério, pois quem quer que seja que caia sobre ela, ainda que
fique despedaçado, será salvo; mas aquele sobre quem esta pedra caia, este será
reduzido a pó, e suas cinzas se dispersarão aos quatro ventos.”
p1894:3
173:4.5 Quando os fariseus escutaram estas palavras, compreenderam que Jesus se
referia a eles mesmos e aos demais dirigentes judeus. Desejavam grandemente
meter as mãos nele aqui e agora, mas temiam à multidão. Entretanto, ficaram tão
irritados pelas palavras do Mestre que se retiraram para se consultarem uma vez
mais, sobre como poderiam levá-lo a morte. E naquela noite, tanto os saduceus
como os fariseus se deram as mãos para planejar enredá-lo no dia seguinte.
A Parabola do Banquete de Bodas
p1894:4 173:5.1 Depois que os escribas e dirigentes se
retiraram, Jesus se dirigiu novamente à multidão reunida e contou a parábola do
banquete de bodas. Disse:
p1894:5 173:5.2 “O reino dos céus pode ser
comparado a um certo rei que preparou um banquete de bodas para seu filho, e
enviou mensageiros para que chamassem aos que haviam sido previamente convidados
a vir à festa, dizendo, `Tudo está preparado para a ceia nupcial no palácio do
rei.' Ora, muitos dos que antes haviam prometido estar presente, negaram-se vir
naquele momento. Quando o rei soube destas recusas de seu convite, mandou outros
servos e mensageiros, dizendo: `Dizei a todos os que foram convidados, a que
venham, pois vede, minha ceia já está pronta. Meus bois e minhas reses foram
abatidos, e tudo está preparado para a celebração da boda iminente de meu
filho.' Mas novamente, aqueles desconsiderados fizeram pouco caso do convite da
chamada de seu rei, e se foram em seu caminho, um para sua granja, um outro à
sua olaria, e outros a seus negócios. E outros ainda não estando satisfeitos em
desprezar assim a chamada do rei, mas sim em aberta rebeldia, apoderaram-se dos
mensageiros do rei, maltrataram-lhes vergonhosamente, e inclusive mataram a
alguns deles. E quando o rei observou que seus convidados escolhidos, até os que
haviam aceito seu convite preliminar e haviam prometido estar presente ao
banquete de boda, rechaçavam finalmente sua chamada, e em rebeldia, haviam
atacado e matado a seus mensageiros escolhidos, ele ficou extremamente irado. E
então, este rei insultado ordenou que seus exércitos e os exércitos de seus
aliados saíssem e destruíssem àqueles assassinos rebeldes, e que incendiassem
sua cidade.
p1895:1 173:5.3 “ E depois dele ter castigado os que
menosprezaram seu convite, estabeleceu um outro dia para o banquete de bodas e
disse a seus mensageiros: `Aqueles que foram os primeiros convidados às bodas
não eram dignos; ide pois agora às esquinas dos caminhos e às estradas, e
inclusive mais além dos limites da cidade, e convidai a tantos quanto
encontrardes, inclusive os estrangeiros, para que venham e estejam presentes a
este banquete de bodas.' E os servos saíram então às estradas e aos lugares
afastados, e reuniram a tantos quanto encontraram, bons e maus, ricos e pobres,
de maneira que por fim, a sala nupcial estava repleta de convidados de boa
vontade. Quando tudo esteva pronto, o rei entrou para examinar seus hóspedes, e
se surpreendeu muito ao ver ali um homem sem o traje nupcial. Visto que o rei
havia dado generosamente trajes nupciais a todos os seus convidados,
dirigindo-se a este homem, disse: `Amigo, como é que tu entras na sala de meus
convidados, nesta ocasião, sem o vestido nupcial?’ E este descuidado homem ficou
sem fala. Então, o rei disse a seus servos: `Expulsai este convidado
desconsiderado de minha casa, para que se junte a todos os demais que
desprezaram minha hospitalidade e rechaçaram meu chamado. Não aceitarei ninguém
aqui, além daqueles que se regozijam em aceitar meu convite, e que me concedem a
honra de vestir os trajes nupciais que tão generosamente ofereci a todos.'”
p1895:2 173:5.4 Depois de contar esta parábola, Jesus estava prestes a
dispersar à multidão quando um crente simpatizante, abrindo caminho através da
multidão em direção a ele, perguntou: “Mas, Mestre, como saberemos dessas
coisas? Como estaremos preparados para o chamado do rei? Que sinal nos darás
para que saibamos que és o Filho de Deus?” E quando o Mestre escutou isso,
disse, “Um único sinal vos será dado.” E então, apontando para seu próprio
corpo, prosseguiu, “Destruí este templo, e em três dias o reerguerei.” Mas eles
não o compreenderam, e à medida que se dispersavam, diziam entre si, “Este
templo tem estado em construção há quase cinqüenta anos, e entretanto, ele diz
que o destruirá e o reerguerá em três dias.” Nem sequer seus próprios apóstolos
compreenderam o significado desta declaração, mas posteriormente, depois de sua
ressurreição, recordaram o que o Mestre havia dito.
p1895:3 173:5.5 Por
volta das quatro desta tarde, Jesus acenou pra seus apóstolos e indicou que
desejava deixar o templo e ir a Betânia para jantar e descansar à noite. No
caminho de subida do Oliveto, Jesus indicou a André, Felipe e Tomé que, no dia
seguinte, deviam estabelecer um acampamento mais perto da cidade, na qual
pudessem ocupá-lo durante o resto da semana pascal. Seguindo estas instruções,
na manhã seguinte eles erigiram suas tendas na ravina da ladeira que dominava o
parque de acampamento público de Getsemâni, em um pequeno terreno que pertencia
a Simão de Betânia.
p1896:1 173:5.6 De novo, era um grupo silencioso de
judeus que subia a ladeira ocidental do Oliveto nesta segunda-feira pela noite.
Estes doze homens, como nunca antes, estavam começando a sentir que algo trágico
estava a ponto de acontecer. Apesar de que a dramática purificação do templo,
durante as primeiras horas da manhã, havia despertado suas esperanças de ver o
Mestre se declarar e manifestar seus grandes poderes, os acontecimentos de toda
a tarde serviram apenas como um anticlímax, no sentido de que todos apontavam
para uma inescapável rejeição dos ensinamentos de Jesus por parte das
autoridades judaicas. Os apóstolos estavam apertados pela dúvida e prisioneiros
de uma terrível incerteza. Eles se davam conta de que apenas uns poucos dias
podiam se interpor entre os acontecimentos do dia que acabava de terminar e o
estalido de uma fatalidade iminente. Todos sentiam que algo temível estava a
ponto de ocorrer, mas não sabiam o que esperar. Eles foram para seus diversos
alojamentos para descansar, mas dormiram muito pouco. Inclusive os gêmeos Alfeu
estavam finalmente despertando para a compreensão de que os acontecimentos da
vida do Mestre estavam se dirigindo velozmente para sua culminação
final.
Tradução Voluntária Por : Heitor Carestiato Neto